
PHDA na infância
Onde começa tudo?
Durante muito tempo, a Perturbação de Hiperatividade/Défice de Atenção (PHDA) foi vista como algo exclusivo da infância.
Hoje sabemos que não se fica por aí, mas é desde essa fase que se revela, influenciando a forma como a criança aprende, comunica, se organiza e interage com o mundo.
Neste artigo, exploramos como a PHDA se manifesta na infância, o seu impacto no
desenvolvimento e as forças que tantas vezes acompanham estas crianças.
Como se manifesta na infância?
Tal como explicado no artigo O que é a PHDA, existem três apresentações possíveis:
- Predominantemente desatenta
- Predominantemente hiperativa/impulsiva
- Combinada
Algumas crianças mostram sobretudo dificuldades de atenção e organização; outras são mais impulsivas e ativas; e muitas reúnem características de ambos os domínios.
Não é necessário ter hiperatividade para existir PHDA.
As crianças mais distraídas e sonhadoras podem passar despercebidas por serem mais calmas e pouco disruptivas, enquanto as mais ativas e impulsivas são sinalizadas mais cedo, mas frequentemente mal compreendidas — os seus comportamentos são vistos como má educação, imaturidade ou reflexo da educação dos pais.
Na verdade, estas diferenças refletem formas distintas de funcionamento do cérebro, e não escolhas conscientes da criança.
É comum que os adultos interpretem estas dificuldades como falta de esforço, preguiça ou desobediência, quando na realidade se tratam de dificuldades reais na autorregulação e na gestão da atenção e do impulso.
Por isso, se existe alguma dúvida, é importante procurar orientação profissional.
Um olhar especializado pode ajudar a compreender melhor o que está a acontecer — e garantir que a criança recebe apoio adequado para crescer com confiança.
Os sinais da PHDA costumam aparecer antes dos 12 anos, sobretudo quando a criança entra para a escola e as exigências de concentração, organização e autocontrolo aumentam.
Abaixo estão exemplos práticos das três dimensões principais da PHDA:
Regulação da atenção:
A criança com PHDA não tem falta de atenção, mas sim uma dificuldade em regulá-la e direcioná-la. É comum:
- perder-se nas conversas ou esquecer o que estava a fazer;
- deixar tarefas a meio ou saltar de uma brincadeira para outra;
- esquecer/perder roupa, material escolar ou o lanche;
- precisar de companhia para começar tarefas (“se alguém estiver ao lado, faz mais depressa”);
- distrair-se com estímulos à volta (“não ouve o que eu digo, mas sabe dizer quantas voltas já deu a mosca que entrou na sala”);
- ter de ser relembrada de tarefas do dia, como escovar os dentes ou calçar as meias.
- deixar perguntas por responder porque não viu;
- ter dificuldades na organização;
- cometer erros apesar de ter conhecimento para mais;
- atrasar-se frequentemente — parece “sem noção do tempo”.
Hiperatividade e impulsividade
A hiperatividade e a impulsividade vão muito além de “ser mexido” ou “falar demais” representam uma necessidade constante de movimento, estimulação e resposta imediata, difícil de conter mesmo quando a criança tenta.
É comum:
- mexer-se frequentemente (balança as pernas, sobe aos sofás, rói as unhas);
- falar muito ou mudar rapidamente de assunto;
- ter dificuldade em brincar calmamente;
- ficar impaciente em brincadeiras, filas ou momentos de espera;
- subir ou saltar em locais inapropriados;
- interromper conversas ou brincadeiras;
- responder antes da pergunta terminar;
- dizer ou fazer coisas sem pensar — e arrepender-se logo depois;
- reagir com intensidade (zanga, choro, riso) por motivos pequenos;
- tocar, empurrar ou pegar em objetos sem pedir;
- ter dificuldade em parar quando algo é divertido;
- precisar de movimento para se concentrar (“se estiver quieto, não ouve”).
Impacto no desenvolvimento
Principalmente quando não é reconhecida, ou devidamente acomodada, a PHDA pode impactar negativamente várias áreas da vida da criança — não apenas a aprendizagem, mas também o desenvolvimento emocional, social, familiar e físico.
Alguns exemplos incluem:
- Aprendizagem: dificuldade em manter a atenção, organizar tarefas e cumprir
- prazos pode mascarar o verdadeiro potencial da criança.
- Relações sociais: impulsividade, distração, ou reatividade emocional podem gerar conflitos, exclusão ou rejeição pelos pares.
- Autoestima: ouvir repetidamente frases como “não te consegues controlar” ou “nunca acabas nada” desgasta e cria uma autoimagem negativa.
- Regulação emocional: emoções intensas e dificuldade em recuperar a calma após frustração.
- Família: rotinas simples — como vestir-se, fazer os trabalhos de casa ou preparar-se de manhã — podem tornar-se momentos de tensão e conflito.
- Saúde e bem-estar físico: maior propensão para acidentes, sono irregular, e dificuldade em manter hábitos saudáveis.
É comum que a criança sinta que se esforça sem ser reconhecida, enquanto os adultos à sua volta se sentem exaustos e frustrados — reforçando um ciclo de stress para ambos.
Desafios e necessidades de apoio
A Perturbação Hiperatividade Défice de Atenção (PHDA) não se resume à desatenção, hiperatividade ou impulsividade.
Pode envolver dificuldades emocionais, baixa autoestima, conflitos, acidentes, bullying e maior vulnerabilidade a condições de saúde física e mental.
O acompanhamento mais eficaz é multimodal, combinando intervenções
psicossociais, educativas e, quando necessário, farmacológicas, ajustadas à idade, ao
contexto e às necessidades da criança e da sua família.
Intervenções eficazes incluem:
- Psicoeducação para pais, professores e cuidadores — compreender a PHDA é o primeiro passo para apoiar.
- Reforço positivo e estrutura previsível, com regras claras e consistentes.
- Adaptações escolares — tarefas divididas, pausas curtas, instruções visuais e apoio à gestão do tempo.
- Treino de competências emocionais, sociais e executivas, para melhorar autocontrolo, organização e resolução de problemas.
- Acompanhamento psicológico centrado na autorregulação, autoestima e fortalecimento das relações familiares.
- Terapias comportamentais e parentais, com forte evidência científica na infância.
- Intervenções no contexto escolar e comunitário, garantindo comunicação e consistência entre os adultos que acompanham a criança.
A intervenção precoce e integrada é o maior fator protetor, promovendo o
desenvolvimento, o bem-estar e a prevenção de dificuldades futuras.
É importante lembrar que o apoio não se limita ao médico ou ao psicólogo:
psicomotricistas, terapeutas ocupacionais, terapeutas da fala, nutricionistas e
educadores, entre outros, podem desempenhar um papel essencial no trabalho com a criança, respondendo a desafios específicos e promovendo a sua qualidade de vida.
Potencialidades e forças das crianças com PHDA
As mesmas características que geram dificuldade podem também ser grandes forças:
- Curiosidade e criatividade – pensam fora da caixa.
- Energia e entusiasmo – contagiam os outros.
- Espontaneidade e humor – trazem leveza na interação.
- Empatia e sensibilidade – sentem as emoções com profundidade.
- Resiliência – aprendem cedo a lidar com desafios.
Estas qualidades florescem em ambientes estruturados mas flexíveis, com adultos
empáticos e espaço para errar e aprender.
Em resumo:
A PHDA na infância não é sinónimo de desorganização ou mau comportamento.
É um modo diferente de funcionar e de se relacionar com o mundo, que traz desafios e potencialidades.
Mesmo com estas informações, é natural que surjam dúvidas.
Por vezes, ideias erradas — como “a criança é inteligente” ou “não quero medicar, por
isso não vale a pena avaliar” — podem atrasar o diagnóstico.
Na verdade, a avaliação não serve apenas para medicar, mas para compreender e
apoiar melhor a criança.